Nova vitória da Tradição

Ao longo dessas últimas semanas, mais ou menos por toda parte, ocorreram graves atentados à liberdade da Igreja. A razão alegada (ou pretextada) foi o combate à epidemia.

Em Portugal, o Santuário de Fátima foi cercado por milhares de militares, para assegurar que ninguém se aproximaria do local das aparições: mesmo o 13 de maio não justificava, para as autoridades, a abertura do local. A situação era aparentemente grave demais, contudo, mal se passaram dez dias e as mais altas autoridades civis do país eram vistas banhando-se no mar.

Na Espanha, a Santa Missa foi proibida em todo o território pelo grave risco de contágio. A força policial não hesitou invadir igrejas e interromper ofícios no meio. Já entre os muçulmanos, no entanto, o risco de contágio devia ser bem menor, pois estes seguiam rezando abertamente nas ruas, faziam o seu Ramadan sem o menor constrangimento das forças policiais.

Na Franca, as autoridades decidiram abrir o país: comércio, shoppings, salões de beleza e transporte público, por exemplo, foram liberados, mas não as Missas — já o Ramadan, como deve imaginar o leitor, gozou de certa liberdade ao longo da pandemia.

É triste constatar, mas a realidade é que o episcopado cruzou os braços na maioria desses países, inclusive no Brasil.

A boa notícia é que começou a haver alguma reação. Na França, um processo movido no Conseil d’État pelo grupo tradicionalista Civitas — liderado pelo belga Alain Escada — e também pelo Distrito da França da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, obteve êxito. A Missa foi liberada para todo país já neste último final de semana.

Sem dúvida, uma nova vitória da Tradição. Que venham outras!

Meditações de Quarentena IV

Ditosa morte, na companhia de Jesus e no amor puríssimo de Maria.
(Igreja de São José, Rio de Janeiro)

Temos salientado o fato nada fortuito de que a epidemia mundial chegou às nossas terras no mês de São José, e procurado, a partir disso, com a ajuda dele, tirar algumas meditações talvez úteis à nossa devoção e ao discernimento da atitude a tomar, segundo a orientação dos sacerdotes da Tradição, e muito particularmente do pastor de nossas almas, Dom Lourenço Fleichman. Portanto, seriam ainda mais incompletas estas meditações se, em meio à peste, não tratassem do tema da morte. Nada melhor que meditá-la pedindo ajuda ao bom São José, que afinal, como rezamos na Ladainha, é o Patrono dos moribundos.

Nosso Senhor, para nos alcançar a Redenção, sofreu a morte mais infame e dolorosa que se pode conceber. Da morte da Co-redentora, se é que houve, pouco ou nada sabemos; mas é certo que morreu em espírito ao pé da Cruz, vítima da espada de dor. A São José, todavia, a Divina Providência reservou a doce agonia no leito de Nazaré, consolado pela presença do Filho do Homem e pela ternura da Mãe de Deus. Podemos bem supor que, por um de seus paradoxos de amor, talvez Nosso Senhor tenha feito da hora da morte um dos mais felizes momentos da árdua vida de São José, e até desconfiar que a sua agonia tenha sido um vislumbre do Céu antes da espera do limbo.

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Meditações de Quarentena III

“Eis que o Senhor subirá sobre uma nuvem leve, e entrará no Egito, e os ídolos do Egito se comoverão diante da sua face” (Isaías 19, 1). É o que retrata o plano de fundo desta iluminura medieval, ao canto superior esquerdo.

Consta de um apócrifo o relato de que, na passagem da Sagrada Família pelo Egito, os ídolos pagãos não resistiram à presença de Deus Encarnado, e ruíram. A fonte duvidosa não nos deve assustar: apócrifo é um livro que não foi inspirado pelo Espírito Santo e que, por isso, a Santa Igreja, guardiã das Escrituras, não incluiu no cânon da Bíblia. Mas daí não segue que toda e qualquer passagem que conste de um apócrifo seja necessariamente fantasiosa ou errônea.

No caso específico, o fato parece conformar-se a uma profecia de Isaías (Is 19, 1). A arte cristã não cessou de retratá-lo, e a piedade dos fiéis o acolheu com fervor. A coroinha em honra das sete dores de São José, por exemplo, alude ao sumo gozo do esposo da Virgem “por verdes cair por terra os ídolos egípcios” (Mês de São José).

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Meditações de Quarentena II



Modelo dos trabalhadores: as mãos na vida prática, a alma na vida interior, o coração em Jesus.
(Menino Jesus. Gerard von Honthorst, óleo sobre tela, 1620.)

Já me desculpei aos leitores de só escrever estas meditações depois de terminado o mês de São José. Mas Dom Lourenço vem insistindo conosco que, por decisão de Nosso Senhor, a Quaresma deste ano foi estendida e mesclada aos aleluias da Páscoa. Estimulado por essa orientação do nosso pastor, peço licença para esticar também o mês de São José e continuar estas atrasadas meditações que, se o leitor julgar úteis, talvez possam ajudá-lo a preparar-se para a próxima grande festa da Igreja, a 1º de maio ― quem sabe, se Deus permitir, dentro de nossas Capelas.

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Meditações de Quarentena (com São José)

Com São José, busquemos Nosso Senhor nos três dias de sua ausência, na certeza de reencontrá-Lo no Templo da Santa Igreja, a Casa do Pai, onde Ele está Realmente Presente.
(As Sete Dores de Maria (det.), Albrecht Dürer, óleo sobre painel, 1495-1496)

Para o mundo avesso à penitência e entregue à dissipação, Nosso Senhor enviou nestes dias o recolhimento forçado. Ao menos o recolhimento físico. A alma impiedosa ou morna, que fugia das livres renúncias da Santa Quaresma, não poderá fugir das renúncias forçadas da quarentena imposta pelas autoridades. E assim se confirma, experimentalmente, aquela verdade de que nos fala São Pedro em sua epístola: também os nossos governantes liberais ― ainda que não o queiram, não o admitam ou nem sequer o saibam ― são ministros de Deus para tomar vingança dos malfeitores (1 Pe 2,13).

Os malfeitores somos nós. É a humanidade indiferente, paganizada, atéia na prática, quando não na confissão da impiedade. É o catolicismo falsificado, infectado do vírus modernista. É, enfim, a alma que conheceu a Tradição, que teve a graça de ver o horror da Igreja conciliar, mas não faz a penitência que devia.

A vingança, por outro lado, é branda. As modernas aberrações não merecem menores castigos que os de Sodoma e Gomorra, nem o moderno coração é menos endurecido que o do Faraó do tempo das dez pragas. Mas o Bom Jesus, cheio de misericórdia, medindo bem a nossa fraqueza, preferiu enviar-nos, pelo menos a princípio, essa estranha guerra decretada pelas autoridades, na qual a ordem é se esconder e o plano de combate é fugir do inimigo.

Nossos bons padres já nos fizeram ver a divina ironia de Nosso Senhor diante de nossa tibieza. Sacudiu a mornidão de nossos jejuns e mortificações, escolhendo Ele mesmo um jejum de comunhões e mandando mortificar o acesso à Fonte da Vida. Dizem os espirituais que cortar o supérfluo não é penitência, mas temperança, e que a verdadeira penitência consiste em cortar o necessário. Pois o Médico de nossa alma veio nos cortar o único necessário! Não é acaso, pois, que isso tenha se dado nestes tempos. Quis Nosso Senhor, por assim dizer, preencher Ele próprio o nosso Bilhete de Quaresma.

Tampouco é acaso que, ao menos cá no Brasil, o confinamento tenha se iniciado no Mês de São José, e por volta da sua Festa. Em Niterói, foi em 19 de março a primeira Missa celebrada a portas fechadas na Capela Nossa Senhora da Conceição. Em São Paulo, ao que parece, foi a última grande festa aberta aos fiéis ― que, no domingo seguinte, já não puderam acorrer à Capela São Pio X. E, a se confirmarem as projeções de isolamento social até o fim deste mês de abril, talvez esteja nos planos do seu Filho adotivo só reabrir as nossas igrejas por volta da Festa de São José Operário, a 1º de maio.
O leitor perdoará que estas linhas só agora sejam escritas e publicadas, quando melhor seria honrar o Chefe da Sagrada Família no mês a ele dedicado. É que este autor, mais que os discípulos de Emaús, é tardo do coração. Possa a sinceridade da devoção compensar um pouco o retardo da obra.

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Coronavírus: entre o medo e a audácia

Mais uma vez me vejo na obrigação de esclarecer nossa posição católica, diante de crises que se abatem sobre a nossa sociedade. Nosso mundo anda mergulhado no que lhe parece ser um grande sol a iluminá-lo, quando na verdade é apenas uma escravidão consentida e desejada. Sim, os tecnológicos homens desse mundo pós-moderno sabem, percebem sua incapacidade de fugir da compulsão das redes sociais, das massificantes notícias e informações, e sobretudo da sensação que tomou conta de todos, de serem livres como um passarinho a voejar entre galhos de árvores e fios elétricos. 

Poderíamos perguntar a nós mesmos o porquê dessa doença; creio que responderia que o homem busca companhia. Até certo ponto, convenhamos, essa busca é natural, visto a definição mais do que antiga feita pelo Filósofo, segundo a qual o homem é um animal político: vive na companhia dos seus semelhantes. Ora, como o mundo moderno desenhou no pé da mesa do computador (eu sei, eu sei, já não é mais no computador, é deitado na cama ou no sofá com o celular nos dedos, mas não atrapalhem, por favor, a minha história!)… então, retomemos: como o mundo moderno desenhou no pé da cama, ou da mesa, uma bola de ferro virtual, e disse ao ser debruçado na máquina: – veja, caro amigo, esta é uma bola de ferro virtual, nada mais “real” do que o virtual. Portanto, você está preso, velho escravo. Não se mexa, não saia daí.

Como sói acontecer, o homem moderno nem escutou o que o mundo lhe disse, do mesmo modo que não escuta o pai, ou a esposa, a lhe dizer que o jantar está na mesa, ou que o filho caiu do telhado e quebrou a perna. Embasbacado estava diante do altar da nova religião… embasbacado continuou. Essa falta de reação é a prova da aceitação tácita da escravidão. 

Foi ele assim pilhado, surpreendido, acuado pelas alarmantes notícias que chegavam do outro lado do mundo, da China cheia de histórias, de civilizações pagãs, de comunismos modernos. A China do mercado, do chinguilingue, dos automóveis incrivelmente mal fabricados. Diriam as más línguas que o escravo das redes sociais chegou a experimentar certa dose de satisfação por ter sido o primeiro a ler a notícia sobre um estranho vírus coroado que teria ultrapassado as milenares muralhas. Enquanto as notícias, procuradas agora com ânsia em todos os sites, comentadas alegremente com seus parceiros de escravidão, falavam da China ou da Itália, continuava o alegre escravo a comer sua pizza de entrega super rápida, por esses mágicos aplicativos que trazem a gordura do queijo aos beiços famintos do escravo, o qual insiste em se achar a mais livre das criaturas. Nunca o mundo conheceu mais perfeita escravidão. Pobre gente. 

Eis que o improvável aconteceu: o vírus virtual chegou ao Brasil, e o escravo teve medo de ser ele real. Grudado que estava nas ondas virtuais, colou-se ainda mais forte ao que lhe parecia ser a vida. Abraçou seu celular, beijou-o com carinho: “meu Salvador, só vós podeis, nessa hora de angústias, me fazer companhia, me livrar desse bicho mau”!

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