Os ratos do porão

A regra de ouro do bom vice é falar pouco sem dizer nada.

Já sabíamos da dificuldade do general Hamilton Mourão para cumprir a primeira parte da regra, mas quando resolveu abusar também da segunda, disse mais do que uma bobagem: atentou contra o próprio programa de governo que o levou ao poder pelo voto de conservadores e católicos ao afirmar que o aborto seria um “problema da mulher”. Uma questão de “foro íntimo”, digamos assim.

Se a ouvidos conservadores a declaração pode chocar, para um católico ela é intolerável. Sr. Hamilton Mourão, o senhor é duplamente excomungado: como maçom e como abortista.

Ele diz que essa é sua opinião “como cidadão e não como membro do governo”. Acontece que sua opinião interessa porque ele é vice. E vice de uma chapa eleita com o claro compromisso de barrar a legalização do aborto.

Então o que pretende o vice-presidente da República? Mandar um recado para o Supremo que logo voltará a levantar seus argumentos legalistas em favor do crime do aborto, sem levar em conta a realidade do assassinato dos inocentes, que é o mais escandaloso crime já praticado pela humanidade?

E o que o Presidente Bolsonaro vai fazer, diante de mais um ataque do seu vice contra o seu projeto de governo? O Brasil vai ficar refém das “opiniões pessoais” do seu vice-presidente?

Orson Welles e a invasão dos marcianos

Em compensação, declarações meramente protocolares do general foram distorcidas pela mentalidade marrom de alguns editores e habilmente aproveitadas como fogo-amigo na disputa pelo poder dentro de um governo que mal começou. Uma vergonha. Elevou-se o tom como se houvesse o risco iminente de um golpe militar e, em alguns momentos, pareceu um revival da célebre encenação radiofônica da invasão marciana de Orson Welles no fim dos anos 30, que por algumas horas deixou em pânico os americanos.

Com o capitão no estaleiro, os ratos se assanharam no porão e a inteligência não teve vida fácil nesses dias.