Contra a História

Já se fala em perseguição religiosa e em nova guerra civil na Espanha. Talvez seja um exagero, mas o que dizer da decisão de exumar os restos mortais de um personagem histórico decisivo para a Espanha, morto já há 44 anos, mas enterrado no solo consagrado de uma basílica sob a guarda de uma abadia beneditina?

Uma desmesura, uma impropriedade, uma covardia.

O prior resiste. Há cerca de um mês, depois da derrota judicial da família de Francisco Franco contra a exumação, o prior da Abadia da Santa Cruz do Vale dos Caídos, Dom Santiago Cantera, proibiu a entrada do governo espanhol na basílica. Em carta, o beneditino alegou a inviolabilidade dos locais de culto, contrariando diretamente as decisões do governo socialista do Primeiro Ministro Pedro Sanchez, da Suprema Corte espanhola, do Secretário-Geral da Conferência Episcopal Espanhola, Dom Luis Arguello, do Arcebispo de Madri, Dom Carlos Osoro Sierra, do Abade da Abadia de Solesmes, Dom Philippe Dupont, diretor da congregação beneditina espanhola a que a abadia está submetida, e do próprio Vaticano, que não se opôs à decisão, nem tem se manifestado sobre as crescentes violações da basílica e da abadia.

Em vão. No último domingo, a polícia expulsou os monges e invadiu a clausura. Os religiosos foram instruídos a levar suas “coisas” e a não voltar mais à basílica, ocupada já pelas máquinas necessárias pela exumação, prevista para acontecer antes das eleições de 10 de novembro.


O que é o Vale dos Caídos? Antes de tudo, uma basílica católica e uma abadia beneditina. Ou seja, solo consagrado. Ali estão abrigados os restos mortais de combatentes da Guerra Civil Espanhola, tanto franquistas quanto comunistas. É também portanto um monumento histórico, cuja beleza sóbria induz à reflexão e à melancolia. Um monumento aos mortos da guerra civil espanhola que recebe por ano cerca de meio milhão de visitantes, e que os comunistas querem agora transformar numa especie de museu antifranquista, seguindo seu gosto perverso pela inversão.

O que foi a Guerra Civil Espanhola? Foi a resposta da Espanha católica à tentativa orquestrada pela Internacional Comunista de varrer o Catolicismo da Europa. Levados ao poder por uma Frente Popular, os comunistas imediatamente se puseram a aprovar leis e implementar medidas para literalmente acabar com a Igreja na Espanha.

Em pouco mais de um ano, dezenas de milhares de igrejas tinham sido fechadas ou destruídas, padres mortos, presos ou expulsos do país, colégios fechados e o ensino da religião proibido. Para quem conhece a história dos Cristeros no México, o roteiro é em tudo semelhante — e não por acaso. Tudo era orientado por Moscou, e respondia a um plano deliberado de ataque ao catolicismo. Eis o que escreveu Lenin: “É preciso combater a religião, eis aqui o ABC do marxismo integral”. E Marx: “A destruição da religião, como felicidade ilusória do povo, é uma exigência da sua felicidade real»

Os bispos de Espanha não ignoravam então o que estava em jogo, e assim se exprimiram na famosa Carta Coletiva de 1937:

“E porque Deus é o cimento mais profundo de uma sociedade bem ordenada — assim o era na nação espanhola — a revolução comunista, aliada dos exércitos do Governo, foi, sobretudo, contra Deus. Fechava-se assim o ciclo da legislação laica da Constituição de 1931 com a destruição de tudo quanto era de Deus (…)”

“Por isso produziu-se na alma natural uma reação de tipo religioso, contrapondo-se à açào nihilista e destrutiva dos sem-Deus (…)”

No entanto, a reação dos católicos espanhóis — verdadeiros Macabeus dos tempos modernos — foi ainda mais forte e eficaz, ainda que mais sangrenta, do que a dos católicos mexicanos. Depois de quatro anos de luta, os comunistas foram derrotados, e Franco, que liderara as forças de ordem, estabeleceu-se como Chefe do Governo até o final da vida.


Para nós, brasileiros, fica a lição: os comunistas não esquecem – não os fatos, mas as narrativas que inventam. E vão tentar impô-las até o fim dos tempos, porque é da essência de sua ideologia a violência e a mentira. Eles querem ser os Senhores da História porque, como escreveu George Orwell, em 1984: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” Orwell, um idealista de esquerda que lutou ao lado dos comunistas na Guerra Civil Espanhola, voltou de lá desencantado com o comunismo, fonte de inspiração para o seu romance distópico.

P.S: Para saber mais sobre os crimes cometidos pelos comunistas na Guerra Civil Espanhola, em especial contra a Igreja, leia o artigo “Os mártires de Espanha” (Permanência 294). Também recomendamos a leitura do texto seguinte de Gustavo Corção: A Guerra Civil Espanhola.