Perseguição religiosa na China

O padre Jean-Gabriel Perboyre, asfixiado numa cruz em Wuhan, 1840.

“Vimos os missionários, entre os quais havia grande número de arcebispos, bispos zelosos e o nosso próprio representante, serem obrigados a deixar a China; e o cárcere ou privações ou sofrimentos de todo tipo serem reservados a bispos, a sacerdotes, a religiosos, a religiosas e a muitos fiéis.” (Ad Apostolorum Principis, Pio XII)

Publicamos há algum tempo no site da Permanência um capítulo do Livro Vermelho da Igreja Perseguida tratando especificamente da China, desde a proclamação da República Popular Chinesa até meados da década de 50:

Entre todas as perseguições a que foram submetidos os países de obediência marxista, cumpre citar “como exemplo” a perseguição chinesa, pela sua precisão, pelos seus processos metódicos, por sua técnica requintada e pelos resultados obtidos.

Além disto, posto que — quanto às intenções que a inspiram — a luta contra o catolicismo seja idêntica à que o comunismo move em toda parte contra a Igreja, o despertar do sentimento nacional ofereceu ao comunismo chinês meios de ação que os perseguidores dos outros países não tiveram.

A perseguição religiosa na China continua até os nossos dias. É verdade que, um certo liberalismo econômico iniciado sob os auspícios de Deng Xiaoping (1977-1992) lançou uma nuvem de fumaça sobre a real situação do regime. Muitos ocidentais acreditaram que as novas liberdades econômicas trariam consigo uma inevitável transformação da vida social chinesa, e adotaram um olhar mais complacente sobre a realidade do país. Não perceberam, no entanto, que os fundamentos marxistas do regime e, particularmente, sua concepção materialista e atéia do homem, jamais foram postos em causa.

O novo “imperador” chinês, Xi Jinping, jamais escondeu a sua adesão à ideologia comunista ou sua intenção de exercer forte controle sobre as atividades religiosas. Os católicos chineses não se esquecem que Xia Baolong, íntimo colaborador de Xi Jinping, foi o homem por detrás dos expurgos de Zhejiang, que resultaram, nos anos 2013-2016, na destruição de cerca de 500 estabelecimentos religiosos.

A situação vêm se deteriorando rapidamente nos últimos anos. Todas as igrejas são consideradas uma ameaça porque não se encaixam no conceito de identidade chinesa em que se fiam as autoridades para a manutenção do poder. Novos regulamentos em matéria de religião e uma aplicação mais rigorosa das leis existentes representam uma séria ameaça à da fé.

A seguir apresentamos uma pequena amostra dessa perseguição chinesa nos anos de 2018-2020:

2018: A cruz, o campanário, as estátuas e todo o adorno religioso foi retirado da fachada da igreja católica de Yining (Xinjiang); no interior, o caminho da cruz foi igualmente retirado, e todas as cruzes pintadas foram apagadas porque a cruz representaria “uma infiltração religiosa estrangeira”. Há pior: desde o dia 1 de fevereiro, o culto só pode ocorrer nas igrejas aos domingos e em horários pré-fixados pelas autoridades civis.

É interdito a todo grupo se reunir para rezar fora desses horários nas igrejas, as quais devem ainda afixar na porta os dizeres: “proibido a menores de 18 anos” — não é incomum que autoridades locais façam inspeções durante o ofício à procura de crianças ou menores de idade. Ademais, por todo o país está vigente a lei que proíbe a instrução religiosa pública aos menores de dezoito anos.

Ainda em 2018, centenas de locais de culto foram fechados. Somente na cidade de Xinxiang (província de Henan), 410 igrejas e locais de reunião foram dissolvidos neste ano. No município de Mengjin foram 30 as igrejas fechadas. Em Qianyang (província de Xianxim) a única igreja da cidade, que reunia cerca de 2.000 fiéis, foi fechada. Não é tudo: a imprensa noticiava naquele período o estranho “sumiço” de Bíblias das prateleiras.

2019: Na diocese de Mindong, todos os padres católicos receberam um ultimato: ou se associavam à “Associação Patriótica Católica” — e nesse caso seriam recompensados regiamente pelo Estado com uma alta quantia em dinheiro — ou deveriam partir, abandonando suas igrejas.

O que são essas “associações patrióticas” chinesas? Pio XII as denunciou na sua Encíclica Ad Apostolorum Principis: “Sob o falso pretexto de patriotismo, com efeito, a associação quer gradualmente levar os católicos a aderir e apoiar os princípios do materialismo ateu, negador de Deus e de todos os princípios sobrenaturais.” — Não espanta que o presidente dessa associação patriótica, o “bispo” Fang Xingyao, tenha declarado: “o amor da pátria deve sobrepujar o amor à Igreja”.

Controlar as crenças dos cidadãos tornou-se uma prioridade para as autoridades chinesas. Além de determinar o fechamento de novas igrejas e o confisco dos seus bens, o governo chinês apresentou no ano de 2019 novas medidas de censura. Por exemplo, o Departamento de Assuntos Étnicos e Religiosos de Guangzhou emitiu “diretrizes” para incentivar as pessoas a denunciar possíveis “atividades religiosas ilegais”, incluindo reuniões clandestinas, catecismo ou interações com missionários estrangeiros. A recompensa dos delatores poderá chegar a 10.000 yuans.

A fé também se tornou um impedimento para a formação acadêmica. Segundo um jornal: “Desde o ano passado, escolas e universidades de toda a China têm usado todos os meios possíveis para pressionar os estudantes religiosos a renunciar à sua fé. Alguns até foram ameaçados de não receber seus certificados acadêmicos após a formatura se continuassem praticando suas religiões.”

Na província de Zhejiang, os docentes têm de assinar uma declaração rejeitando a religião, sob pena de serem impedidos de receber pensões.

2020: A pandemia não interrompeu a perseguição religiosa. Devido à quarentena imposta pelo governo, os membros das diversas denominações religiosas, registradas pelo Estado ou não, passaram a se reunir pela internet via teleconferência. Contudo, na província de Shandong, no leste do país, determinou-se que tais pregações on-line deveriam ser interrompidas, e que as igrejas que as mantivessem seriam desativadas. O mesmo ocorreu em outras províncias, mesmo sem advertência oficial.

Com os fiéis cristãos isolados em casa por conta da pandemia da Covid-19, autoridades chinesas se aproveitaram para demolir mais igrejas. Filmagens de cruzes removidas com guindastes e construções postas abaixo por retro-escavadeiras tem circulado na internet.

Infelizmente, nada nos permite crer que as perseguições chinesas estejam caminhando para o fim. Como diz o Apóstolo: “E também todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições.” (2Tim 3, 12).