Toda vez que há uma troca de governo repete-se a conversa mole de que “o poder corrompe”, versão metida a besta do ditado popular “a ocasião faz o ladrão”.
Machado de Assis fez a devida correção moral do ditado, ao escrever em “Esaú e Jacó”:
“A ocasião faz o furto.
O ladrão nasce feito.”
Vale a pena reler o capítulo 85, só para deixar um tira-gosto dessa coisa tão difícil (senão impossível) de definir que é o estilo, sempre mais notável quanto melhor é o escritor:
“Pessoa a quem li confidencialmente o capítulo passado, escreve-me dizendo que a causa de tudo foi a cabocla do Castelo. Sem as suas predições grandiosas, a esmola de Natividade seria mínima ou nenhuma, e o gesto do corredor não se daria por falta de nota. “A ocasião faz o ladrão”, conclui o meu correspondente.
Não conclui mal. Há todavia alguma injustiça ou esquecimento, porque as razões do gesto do corredor foram todas pias. Além disso, o provérbio pode estar errado. Uma das afirmações de Aires, que também gostava de estudar adágios, é que esse não estava certo.
— Não é a ocasião que faz o ladrão, dizia ele a alguém; o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: ‘A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito.’ “
“Esaú e Jacó” é um clássico (clique aqui para baixar). Imperdível como todos últimos cinco romances de Machado. Aliás, é difícil lembrar outro escritor que tenha emplacado cinco obras-primas seguidas, livros ao mesmo tempo
profundamente brasileiros e universais.