Neste último dia 11 de dezembro, completou-se um século do nascimento de Aleksandr Isayevich Soljenítsin, o mais famoso dissidente da antiga União Soviética. Ganhador do prêmio Nobel de literatura em 1970, ele foi prisioneiro do regime durante oito anos, tornou-se escritor clandestino e acabou exilado nos Estados Unidos.
Sua obra-prima, Arquipélago Gulag , foi traduzida em todo o mundo e expunha os horrores e a irracionalidade do que Julio Fleichman chamou em seu ‘Itinerário’ de “esgoto da história”: o regime comunista.
O livro o fez famoso e reconhecido, mas Soljenítsin enriqueceu sem perder a simplicidade. Nunca se esqueceu dos ex-companheiros de cela. Engajou sua fortuna em projetos humanitários para o auxílio material das vítimas e seus familiares. Em sua dedicatória expia sua memória: “ Dedico este livro a todos quantos a vida não chegou para o relatar. Que eles me perdoem não ter visto tudo, não ter recordado tudo, não me ter apercebido de tudo”. Comove ler vários trechos do manuscrito:
” E nenhuma outra coisa você recordará pela vida afora com tanta emoção.(…) Essas pessoas compartilham com você o chão e o ardente cubo de pedra, nesses dias em que você revivia toda a sua vida sob uma luz nova. E algum dia você se lembrará delas, como se fossem pessoas da família.”
Convidado para ministrar a aula inaugural da Universidade de Harvard em 1978, Soljenítsin denunciou em que se fiava o ‘sucesso’ do regime soviético: no apoio entusiástico e na simpatia dos ‘intelectuais’ ocidentais, que acabavam por isolar o país da pressão externa. Comportamento que denotava uma decadência, como explica:
” Desde os dias do Renascimento até hoje, nós enriquecemos nossa experiência, mas nós perdemos o conceito da Suprema e Inteira Entidade que costumava frear nossas paixões e nossa irresponsabilidade. Nós colocamos esperança demais em reformas políticas e sociais para descobrir enfim que fomos privados do nosso mais precioso bem: nossa vida espiritual.”
Na década de 1950, o escritor se converteu à Igreja “Ortodoxa” Russa, e quando migrou para o Ocidente, na década de 1970, muito de sua visão de mundo passou a ser intensamente criticada – pelos mesmos intelectuais cujo adesismo ele denunciara.
O New York Times desta semana resume a imagem que dele se forjou:
“O que ele advogava era um líder forte, que mantivesse a ordem em seu país, encorajasse mais a religião e o apoio estatal à igreja russa, junto com a revitalização do patriotismo e o retorno aos valores tradicionais …”
E conclui o jornal:
“Ele pareceu ter seus desejos satisfeitos em 2000, quando o sr. Yeltsin entregou a presidência para um homem que compartilhava suas visões nacionalistas e personificava seu ideal de líder forte: Vladimir Putin. O novo líder russo o convidou a sua residência buscando seus conselhos, e em 2007 ele o condecorou com uma comenda estatal por suas atividades humanitárias.”
Aqui devemos atentar para dois pontos. Primeiro, a questão do nacionalismo, confundido com o amor à pátria, ou simplesmente com a virtude da piedade, tão bem esmiuçada no artigo de Jean Madiran publicado na última Revista Permanência, número 291. Em segundo lugar, o problema do conservadorismo, que combate por meios inadequados o espírito revolucionário, seja comunista ou progressista.
Esses pontos parecem convir ao católico em primeira instância, mas é preciso que entendamos o que se quer dizer com cada uma dessas palavras, e quando o fizermos, percebermos quão diferente é a política em que acreditamos e a que é teorizada e praticada pelos chamados políticos de ‘direita’.
Nesse sentido o autor do Arquipélago Gulag é o profeta destes tempos promissores, pero no mucho, cuja ‘onda conservadora’ tão comemorada por especialistas parece ter origem em um homem como Putin.
Aos nossos leitores, adianto que a próxima edição da revista publicará um artigo original de um católico romano, russo de nascença, que nos descortinará quem é verdadeiramente o presidente da Rússia. Aguardem…