“Supremo enfrenta processo de dessacralização”, diz o título da coluna de Josias de Souza. Mas o “sacro”, a que um dia já se arvorou o Supremo Tribunal Federal, é só uma versão secularizada da verdadeira sagração do poder.
Depois de proclamar a independência frente a Portugal, D. Pedro I fez questão de ser sagrado Imperador pelas mãos do clero, numa cerimônia muito semelhante às rubricas litúrgicas do Pontifical Romano. Ainda que sua motivação pudesse ser meramente terrena (de afirmar a legitimidade do grito do Ipiranga), aquele ato não deixava de reconhecer a verdadeira origem de todo o poder.
Mesmo com toda a contaminação liberal da monarquia, reforçada no segundo reinado, o Imperador reteve em alguma medida essa aura de sacralidade, que se expressava na confissão do Catolicismo como religião oficial do Estado e lhe dava uma autoridade supra-partidária, um ente moral acima das disputas de facção e dos interesses menores. Foi justamente quando pretendeu fazer-se “homem comum” que D. Pedro II foi derrotado: desde a forma mais liberal de se vestir até os anseios de se desfazer do papel de monarca para se tornar um mero professor. Mas, sobretudo, seu tiro no pé foi o pouco caso para com a Igreja, a única instituição no céu e na terra capaz de lhe conferir a marca da sacralidade. Sufocou vocações, proibiu claustros, deixou a Igreja à míngua. Chegou ao cúmulo de chancelar, em 1872, a prisão de Dom Vital e Dom Macedo Costa, os dois bravos bispos que escolheram a fidelidade a Roma no combate à maçonaria.
Com o golpe da República em 1889, o Exército toma para si o Poder Moderador que antes pertencera ao monarca. Mas como já não havia por trás a Igreja para conferir sacralidade, a função perdeu o seu caráter intocável. Outros logo se lançaram nessa disputa, que não é de poder, mas de autoridade; fruto de reconhecimento, não de fria imposição legal.
Na história recente, quem mais arrogava para si este caráter era o STF, ao emular as funções da Suprema Corte americana, de equilíbrio entre instituições e controle constitucional. Ocorre que, para ser Poder Moderador e ao mesmo tempo agente ativo, é preciso ter muita moral, ser um ente acima dos partidos e, inclusive, ser sacro.
Mas como falar de “sacralização” e “dessacralização” num mundo mergulhado na filosofia moderna laicista? O poder sacralizado, como foi o Império no Brasil, tinha um laço direto com aquilo que era santo. Rompido esse laço, só restam aparências, caricaturas e mentiras; nem mesmo a restauração da monarquia poderia dar a solução. Para escapar à espiral de decadências, não há saída senão a restauração da Igreja, na confissão pública de Cristo Rei. Sem isso, toda tentativa de “sacralização” é vã.