Temos salientado o fato nada fortuito de que a epidemia mundial chegou às nossas terras no mês de São José, e procurado, a partir disso, com a ajuda dele, tirar algumas meditações talvez úteis à nossa devoção e ao discernimento da atitude a tomar, segundo a orientação dos sacerdotes da Tradição, e muito particularmente do pastor de nossas almas, Dom Lourenço Fleichman. Portanto, seriam ainda mais incompletas estas meditações se, em meio à peste, não tratassem do tema da morte. Nada melhor que meditá-la pedindo ajuda ao bom São José, que afinal, como rezamos na Ladainha, é o Patrono dos moribundos.
Nosso Senhor, para nos alcançar a Redenção, sofreu a morte mais infame e dolorosa que se pode conceber. Da morte da Co-redentora, se é que houve, pouco ou nada sabemos; mas é certo que morreu em espírito ao pé da Cruz, vítima da espada de dor. A São José, todavia, a Divina Providência reservou a doce agonia no leito de Nazaré, consolado pela presença do Filho do Homem e pela ternura da Mãe de Deus. Podemos bem supor que, por um de seus paradoxos de amor, talvez Nosso Senhor tenha feito da hora da morte um dos mais felizes momentos da árdua vida de São José, e até desconfiar que a sua agonia tenha sido um vislumbre do Céu antes da espera do limbo.
Daí que a Igreja nos recomende o pai adotivo de Jesus para interceder pela graça de uma boa morte, à qual geralmente associamos o conforto dos sacramentos, para reforçar nossa esperança de salvação no supremo instante em que o Inimigo arma suas derradeiras ciladas. A Tradição toma do Faraó as palavras com que respondia aos egípcios famintos: Ite ad Joseph, “Ide a José, e fazei tudo o que ele vos disser” a fim de alcançardes uma santa morte (Gn 41,55). De fato pedimos, no último dia da novena que consta no Mês de São José: “assisti-me na hora suprema e decisiva da minha vida (…) Obtende-me a graça de morrer confortado com os santos Sacramentos, necessários para a minha salvação.”
É natural, pois, que o coração católico se assombre frente às cenas da atual pandemia: moribundos isolados, sem visita de familiares, sem acesso aos últimos sacramentos, numa lenta e prolongada asfixia, solitários na morte, velados em caixões lacrados, sepultados às pressas em covas recém-abertas. Morte que parece privar o agonizante não só dos sacramentos, mas até das exéquias. E nessa perplexidade, parece que só resta implorar a São José que obtenha, da divina misericórdia, livrar-nos de uma tal morte.
Assim devemos pedimos, de fato, por nós e por todos os fiéis de nossas capelas. E Dom Lourenço nos exorta a pedir que sejam livres de tal morte, principalmente, aqueles mais experientes que tanto ensinam por palavras e exemplos. Perder a companhia deles seria um castigo, não para eles que vão, mas para nós que ficamos. Com ainda maior instância, pedimos pelos pecadores impenitentes, cuja vida não dá sinais de arrependimento, e cuja morte acarretaria provável condenação.
Mas se devemos imitar Nosso Senhor, com Ele devemos dizer: “faça-se a vossa vontade, não a minha”. O medo paralisante neste assunto será tão fatal quanto a audácia imprudente, para aqueles a quem a Igreja ensina: memento mori. Sob o patrocínio e exemplo de São José, é preciso renovar a confiança irrestrita na Providência, sabedores pela fé de que “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28). Todas as coisas, mesmo a morte na epidemia, se for da vontade divina.
Para espantar nosso temor muito humano, vejamos de saída que a morte sem sacramentos, embora nenhuma alma católica a deseje, de modo algum é sinônimo de condenação. O próprio São José não morreu com os sacramentos, tal como todos os outros justos que não viveram no tempo da Santa Igreja. E o Padre Pio nos ensina a suplicar, na ação de graças: “Permanecei, Senhor, comigo, porque na hora da morte quero ficar unido a Vós, senão pela comunhão, ao menos pela graça e pelo amor”.
É isto! Queremos que na morte, estejamos na graça e no amor de Deus. Queremos fazer jus à nossa divisa, às palavras de Nosso Senhor que Corção fez escrever em cruz: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós”.
Essa santa permanência é que define a boa morte. Então, confiados a São José, Esperança dos enfermos, miremos a peste, e indaguemos ao Santo Patriarca, o padroeiro da boa morte, como obter a graça dessa permanência se a epidemia nos levar ― ou melhor, se Nosso Senhor decidir nos levar por meio da epidemia.
Primeiro, dizem os especialistas que, “visto ao microscópio, este vírus tem à sua volta uma espécie de coroa de espinhos; daí o nome”. Não deixará de ser consolador para o moribundo meditar que, de algum modo, o instrumento de humilhação e padecimento de Nosso Senhor habitará suas entranhas. No Ecce homo, o coroado de espinhos morria para o mundo, e nos obtinha os méritos pelos quais pedimos, no terço, o desprezo do mesmo mundo pela mortificação do orgulho. Nós, que devemos morrer para o pecado e para o mundo, vejamos a coroa do vírus como a nossa coroa de espinhos. Morramos nós, se assim quiser o bom Deus, nessa espécie de comunhão em que nossas entranhas exultarão, senão pela Presença Real de Nosso Senhor, ao menos pela presença invisível do instrumento da Paixão, honra semelhante à de Santa Rita, que recebeu na fronte um só espinho da coroa, e com ele padeceu até o fim da vida.
Depois, à vista do isolamento forçado dos enfermos, coisa nunca vista nas últimas gerações, como não ver nessa doença uma espécie de lepra moderna? Pois eis a palavra do profeta acerca da Paixão: “nós o reputávamos como um leproso” (Is 53,4). O agonizante talvez não tenha à volta familiares e amigos, como o Crucificado não viu no Calvário nem apóstolos nem discípulos, que o abandonaram e fugiram todos. Sentir-se-á solitário como o Messias, que suspirou pela boca do salmista: “não há quem me ajude” (Sl 21,12). Mas, pelo santo rosário, terá a companhia da Mãe Dolorosa, que, com a mesma prontidão com que se manteve ao pé da Cruz, assistirá na hora da morte os devotos de seu Imaculado Coração. E não haverá cordão sanitário que impeça a vinda dessa Boa Mãe, como os soldados não impediram que ela encontrasse o Filho na Via Sacra.
Além disso, se de fato o valente sacerdote for impedido de se achegar com os santos óleos, o santo viático e a santa estola, o moribundo poderá sentir-se desamparado até por Deus. Sentir-se, não crer-se; como também o Salvador, não satisfeito com o abandono dos homens, quis sentir-se desamparado até por Deus Pai, embora o soubesse impossível pela união hipostática, e lançar da Cruz o gemido mais comovente e misterioso do céu e da terra: “Eli, Eli, lamma sabachtani?”
Quanto à causa mortis, ouçamos o que diz o Dr. Pierre Barbet: “Os crucificados morriam todos asfixiados” (A Paixão de Cristo segundo o cirurgião, Loyola, p. 86). No mesmo sufocamento expirará o moribundo desta peste, bradando em espírito, com a graça de Deus, um decisivo suspiro de amor.
Por fim, também o adorável Corpo foi sepultado às pressas, porque era Parasceve, e era grande aquele sábado. Também Ele, posto numa sepultura nova. Também Ele, quase privado dos ritos fúnebres da religião, que as santas mulheres quiseram completar na manhã do domingo.
“Ninguém sente mais vivamente a paixão de Cristo que aquele que padece penas semelhantes”, diz a Imitação (II,XII,4). Do início ao fim, a alma fiel a quem os desígnios divinos reservarem tal morte, poderá pedir a Deus o consolo de enxergar nos seus sofrimentos a realização do máximo ideal cristão: o de morrer com Cristo. E poderemos nós, dirigindo-nos a São José, Consolação dos infelizes, e a Maria Santíssima, Saúde dos enfermos, pedir essa graça aos que sucumbem dia a dia. Com a esmola de nossas orações e penitências, granjearemos amigos nos tabernáculos eternos (Lc 16,9).
Se acontecer de alguma alma nossa amiga achar-se em tal agonia ― o que Deus não permita ― queira a poderosa intercessão de São José garantir-lhe a graça final da perseverança, da penitência, da perfeita contrição. Queira o Patrono dos moribundos obter para essa alma o dom de beber com gosto desse cálice, tomando a oportunidade de conformar admiravelmente sua agonia às dores de Nosso Senhor, na firme certeza de que, “se morrermos com Cristo, viveremos também juntamente com Cristo” (Rm 6,8).
Jesus, Maria e José, assisti-nos na última agonia!