Quem tem acompanhado os movimentos policiais no Ceará desde o ano passado, percebe facilmente, ainda que não compreenda a gênese exata do problema, que o Estado enfrenta uma das maiores crises de segurança pública da Federação. A situação de violência chega a se comparar com a já conhecida do Rio de Janeiro, com algumas exceções históricas e de formação. Não temos morros, e nossas favelas têm sociologia distinta. No Ceará, o crime é bem mais velado.
No começo do ano passado, devido a uma troca na secretaria de segurança e depois de algumas palavras duras do então novo secretário, o clima entre Governo e Facções criminosas azedou. Logo em seguida a uma ordem de separar membros de mesma facção – pois os presídios do Estado eram divididos entre as facções criminosas, tornando-se verdadeiros centros de comando organizado e escolas do crime – surgiu a reação violenta de grupos terroristas. Usando parte de uma carga de explosivos, que haviam roubado no ano anterior, tentaram explodir algumas obras públicas, além de queimar alguns ônibus e provocar terror generalizado na população. A situação saiu de tal forma do controle que o Governo foi obrigado a chamar a Guarda Nacional. Evidenciou-se, deste modo cru, a realidade do Estado: o domínio do crime e a ineficácia policial.
Este ano, um antigo assunto, ainda relativo à pasta de segurança pública, voltou à discussão. Trata-se das condições de trabalho dos policiais militares. Essa é uma pauta sensível, posto que em 2012 já havia estourado uma greve desta categoria. É preciso denotar, antes mesmo de se tratar sobre a moralidade da greve, que há uma atecnia, pois o termo aqui é usado de modo analógico, posto que não condiz com a natureza militar o uso do instituto greve. Termos mais corretos que correspondem a natureza da classe seriam: motim, insubordinação, deserção, traição, etc.
Naquela época apareceu a pauta do salário com toda a força que o poder econômico sempre goza nesses tipos de discussão, mas a força que moveu os policiais foi de outra ordem, eram suas péssimas condições de trabalhos e turnos. Quem conhece a rotina estressante da polícia facilmente compreende sua reação explosiva; muitos deles cumprem plantões que superam as vinte e quatro horas, além do claro risco de integrar a corporação, e do completo abandono legal no caso de confronto com o crime. Exigia-se, nessa época, dignidade; razão pela qual muitas mulheres de policiais se uniram ao ato e algumas personalidades políticas do Estado se elevaram junto com este movimento.
Hoje, as razões parecem ser diferentes. Houve uma prévia conversa com o poder público e definiu-se um novo projeto de lei que garantia um aumento de mais de mil reais nos salários dos policiais militares, a ser implementado até 2022. Ainda assim, os policiais acreditaram que o acordo não era o suficiente, e sem uma liderança certa ou lista de pedidos, a coisa foi tomando as proporções que temos visto nos jornais, com todo o circo de personalidades públicas se aproveitando do espetáculo.
Se perguntamos à sabedoria sobre a moralidade desses atos, nenhuma razão assiste a esse grupo de revoltosos. Ocorre que a greve é uma forma de desobediência civil e, como tal, precisa obedecer a certos parâmetros para ocorrer. É necessário, primeiramente, que o bem afetado seja de ordem natural ou sobrenatural; revolta-se contra a autoridade quem tem justa indignação, para que se proteja o culto divino, os direitos das famílias, a mínima condição humana. Sem gravíssimos motivos, não é possível rebelar-se sem pena de grave pecado.
Depois, é necessário a presença de uma autoridade legítima, pois toda desobediência legítima é obediência a uma autoridade superior. No contexto moderno, esse controle é exercido por meio jurisdicional. É verdade que os grevistas conseguiram uma ordem judicial protegendo-os de sofrerem represália por seus atos; mas é verdade também que o Governo do Estado conseguiu reverter essa juris(im)prudência, restando todos os atos da greve como criminosos. A própria natureza do fenômeno permanece acéfala, dificultando qualquer tratativa.
Outra condição é a de que o bem almejado seja maior que o possível mal produzido pelo ato. Não se trata de prever o futuro, mas do uso da prudência. Não se pode desestabilizar uma cidade para se alcançar um bem particular, pois é subverter a ordem e desconhecer a ideia de bem comum.
Poderia-se continuar a enumerar os inúmeros erros que trazem as ações dos policiais militares, mas não teríamos tinta e papel para analisar cada detalhe. A data que escolheram, próximo ao carnaval, e a atitude que tomaram, usando máscaras, fechando comércios, roubando viaturas; mostram cabalmente o espírito diabólico e egoísta que se apoderou do movimento. Hoje chega a Guarda Nacional, mais uma vez, para resolver os problemas de segurança do Estado do Ceará; mas a verdadeira pergunta é: será efetivo? Os criminosos serão punidos? Os crimes serão esquecidos?
Não há muito, no Chile, estourou uma revolução; e o Brasil parece ter se acostumado com a ideia de ceder à violência e ao sequestro para garantir privilégios a certos grupos. Toma-se a sociedade como refém, protegem-se certos lobbies e, no fim, nada é feito para sanar o problema. Enquanto isso vamos vivendo, rezando em nossas capelas que são nossas fortalezas contra os bárbaros que investem contra nós e nossas famílias. Pedimos a proteção do Rei dos Exércitos, para que não sejamos confundidos por nossos inimigos. In te Domine speravi: non confundar in aeternum.