Este ano a tradicional capa inaugural da ‘The Economist’ traz uma ilustração curiosa que mistura o teste de acuidade visual com o jogo de caça-palavras, uma fórmula criativa de prever um cenário para 2020 que exigirá muita atenção para as entrelinhas.
No post anterior, indagamos se na capa deste ano haveria algum sinal que a relacionasse com o pangolim de 2019 e especialmente pudesse aludir ao coronavírus.
Façamos o teste.
Nas últimas três fileiras de letras, logo depois de ‘Visions’ em vermelho, vemos as palavras: biodiversity (biodiversidade), rat (rato), Raphael e nightingale (rouxinol).
Concentremo-nos nas palavras rato, rouxinol e Rafael. Aparentemente podem apontar para o ano do Rato no calendário chinês, que começou neste último dia 25, Nightingale para a precursora moderna da enfermagem Florence Nightingale, que completaria 200 anos em maio, e Raphael para o pintor renascentista Rafael Sanzio, que morreu em 1520, há exatos 500 anos, portanto.
Tanto o rato quando a enfermeira podem se referir a uma peste, já que o primeiro foi presumivelmente o “difusor” da peste negra no século XIV e a enfermeira britânica destacou-se no cuidado dos doentes em situações precárias, como aqueles da guerra da Criméia. E se o artista de imediato não parece corroborar a tese, Rafael é também o nome do anjo do livro de Tobias, e quer dizer “Deus cura” em hebraico.
Também se pode fazer uma analogia entre o rato e o pangolim, posto que carreadores do agente patológico; assim como entre o líder chinês e o rouxinol, lembrando a história clássica de Hans Christian Andersen da relação entre o passarinho e o Imperador da China.
Vale salientar que o rouxinol, a enfermeira e Rafael levam a “cura” aos necessitados, e são respectivamente o arauto da primavera, a patrona da enfermagem e o anjo padroeiro dos médicos.
Por último podemos nos perguntar: E se interpretarmos essas palavras a partir do conto de fadas dinamarquês?
O conto pode ser resumido assim: “O Imperador da China se encanta pela melodia do rouxinol, que aceita como recompensa pelo prazer de seu canto apenas as lágrimas de emoção do imperador. Contudo após receber de presente um rouxinol mecânico, o Imperador despreza a amizade do rouxinol e ordena que ele seja expulso de seu palácio. Um dia o sofisticado rouxinol mecânico, com seu corpo de ouro e cravejado de pedras preciosas, quebra e não pode mais cantar. O imperador adoece e na solidão e silêncio de seu quarto recebe a visita da morte. Mas a linda canção do rouxinol verdadeiro quebra o silêncio e afasta a presença da morte do leito do imperador que assim se recupera.“[grifos meus]
O roteiro criado pelo escritor descreve um líder chinês que adoece e chega à beira da morte, mas é curado por um rouxinol. Note que a palavra Xi se encontra na capa também, numa clara referência ao atual governante da China.
Tudo isso pode ser coincidência, mas como a própria revista sugere, olhemos o quadro com atenção e ceticismo. Assim como as manchetes dos jornais.
Ora, como não se surpreender que agora o pangolim reapareça de súbito, ganhe divulgação ubíqua e mereça fama de vilão.
E tem gente que come. Ou comia.
Nota: A capa de 2020 será objeto de análise de um próximo post.