O propósito deste texto é tratar da pergunta seguinte: Qual o dever do católico diante das autoridades civis?
Santo Tomás de Aquino ensinava que “governar é dirigir para o fim devido”, e que os que governam têm de certo modo excelência superior a dos governados (S.T. IIa IIae, q. 102, a. 2). Leão XIII, em Immortale Dei, vai além, e afirma que “A autoridade dos príncipes reveste uma espécie de caráter mais sagrado do que humano”.
Tudo isso parecerá chocante à mentalidade moderna, segundo a qual a liberdade é o bem supremo e a autoridade não passa de um mal necessário — hay gobierno? Soy contra. Essa idéia que nos torna por princípio avessos a todo governo, e faz parecer que a única atitude sensata é a do antagonismo, é diametralmente oposta ao ensinamento da Igreja.
Pe. Jean-Dominique ensina que foi no iluminismo que surgiu a idéia de contrapor liberdade e autoridade, governado e governante. Montesquieu seria o principal responsável por essa reviravolta. Nas suas “Cartas Persas”, narra a história de um povo que um dia resolveu escolher um rei para governar e, para tanto, elegeu o mais virtuoso dos homens. O novo rei, no entanto, protesta que morrerá de desgosto, pois antes o povo era livre, e agora submisso.
Pura bobagem, a autoridade é tudo menos inimiga da liberdade. Ensina Mons. de Ségur que a autoridade é o poder “delegado por Deus a alguns homens para proteger, ajudar e estimular a liberdade dos outros”. Por isso mesmo, conclui, não é menos digna de estima do que a liberdade.
Se a liberdade retamente compreendida é o que nos possibilita atingir nosso fim pelos meios convenientes, a autoridade, instituída por Deus, é o que nos ajuda a atingir esse fim, que nos facilita os meios a alcançá-lo. Por isso mesmo, a autoridade é a grande aliada, a grande protetora, da liberdade. “A autoridade é para a liberdade”, exemplifica Mons. de Ségur, “o que o ovo é para o pequeno pássaro que ele encerra: ele não objetiva sufocá-lo, mas, ao contrário, proteger a sua fraqueza para fazê-lo viver, para fazer com que atinja sem perigo o dia de sua eclosão”.
Bossuet explica a mesma idéia com poesia: “Não se opõe ao rio a construção de um dique em seu curso para romper o fio das suas águas, ou de um cais sobre suas margens para impedir que transborde e perca suas águas pelo campo; ao contrário, trata-se de dar-lhe meios de fluir mais suavemente pelo seu leito, e de seguir com maior segurança o seu curso natural.”
Retornemos ao problema proposto. Com respeito às autoridades, mencionemos em primeiro lugar o dever de obediência: “Servos, sede submissos a toda instituição humana, por amor de Deus, quer ao rei, como a soberano, quer aos governantes…” (1Pe 2, 13).
É claro que não se trata de um dever incondicional, como ensinou Leão XIII, “porquanto não podem ser mandadas e nem executadas todas aquelas coisas que violam a Lei natural ou a vontade de Deus” (Diuturnum Illud).
Mas não é só isso: “Honra teu pai e tua mãe”, ordena o quarto mandamento. No seu Comentário aos Dez Mandamentos, Santo Tomás comenta que a geração carnal não é o único motivo para alguém ser chamado de pai, podendo ser também compreendidos aí os prelados e os governantes. E conclui: “A cada uma dessas espécies de paternidade se deve o correspondente respeito”.
Por essa razão, e ao que pese a terrível crise por que passa a Igreja atualmente, jamais poderíamos aprovar a atitude dos que se julgam no direito de xingar bispos e sacerdotes, mesmo quando esses últimos promovem erros funestíssimos. É preciso denunciar o erro da autoridade, claro — e nunca deixaremos de fazê-lo. Mas também é preciso observar o respeito devido à função que ocupa. O mesmo se aplica, guardadas as devidas proporções, aos governantes pois, como diz o Apóstolo, “Todo poder vem de Deus”.
Acrescente-se ainda um dever de gratidão. Em consequência do exercício do poder, é preciso que se retribua “como se puder, os benefícios recebidos.” (S.T. IIa IIae, q. 102, a. 2). No caso do atual Presidente da República — e bem sabemos que o governo está longe de ser perfeito — há um dever de gratidão por ter ele se sujeitado à seguidos meses de injúrias durante as eleições, bem como um atentado contra sua vida, para libertar o país do Partido dos Trabalhadores.
Tudo isso é contrário ao clima de irreverência que se tornou predominante na nossa sociedade e que devemos combater como pudermos.