Em mais uma visita aos fiéis de Parnaíba, no Piauí, Dom Lourenço concedeu uma entrevista ao site da Capela Santo Agostinho.
Acerca da situação do catolicismo hoje no mundo e no Brasil, há um ressurgimento mais evidente da Tradição Católica? Que sinais e iniciativas podem indicar isso?
É evidente que houve uma mudança na vida da Tradição dentro da Igreja nos últimos anos que variou de uma certa unidade de pensamento e de doutrina, porque durante muitos anos a Tradição existia em torno da obra de Monsenhor Lefebvre e de obras próximas da Fraternidade São Pio X, entre as quais nós incluímos a própria Permanência, que já há 50 anos combate pela Tradição.
Acontece que, ao longo dos anos, algumas dissidências foram acontecendo. Umas, para a esquerda – e eu diria que são aqueles legalistas que caíram no erro de achar que tudo tem que ser na obediência ao Vaticano II, ao Papa que nos exige a adesão a Vaticano II. E, outras que caíram para a direita, e são os sedevacantistas que, ao contrário dos primeiros, ensinam que o Papa não seria Papa. E essas dissidências foram se autodividindo dentro do espírito sectário, como em geral acontece, enquanto que a Fraternidade São Pio X e as suas obras amigas permaneceram com os mesmos princípios, os mesmos critérios e as mesmas atitudes e atividades.
Então, hoje nós estamos vendo o aparecimento de todo um movimento chamado conservador, que alguns acreditam ser tradicional, mas, na verdade não é. É um movimento conservador que mistura várias tendências diferentes, várias opiniões diferentes, tanto na religião quanto na política. E tudo isso vai sendo considerado como fazendo parte do mesmo grupo, e não faz. São grupos diferentes, com princípios e critérios diferentes. Então, eu acho que essa é a principal mudança que nos trouxe hoje uma quantidade grande de grupos e pessoas e que se dizem da Tradição, mas, na verdade, não seguem a orientação da Fraternidade São Pio X ou os princípios norteadores que Dom Marcel Lefebvre nos mostrou no seu combate pela Tradição.
Para essa geração mais jovem que está descobrindo agora a Tradição Católica, como o senhor pode apresentar a obra de Dom Marcel Lefebvre e da Fraternidade Sacerdotal São Pio X e sua importância para a Igreja?
A primeira característica dessa nova geração é o uso da Internet. A internet trouxe, para um mundo inteiramente entregue ao liberalismo, as portas abertas para qualquer opinião, para qualquer estudo, para qualquer leitura. Qualquer um segue sua própria cabeça. E começa por aí a dificuldade. Porque eles não compreendem que todos nós somos devedores de uma linhagem anterior de pessoas que pensaram, antes de nós, o Magistério da Igreja trazido de geração em geração, e que nós simplesmente recebemos com docilidade, para aprender o que a Igreja nos ensina.
Ora, essa primeira dificuldade é grave, porque esses jovens quando conhecem a Tradição, um priorado, uma capela, eles não têm a tendência de ouvir. Eles têm a tendência de falar, e de promover, e de executar, e há uma certa dificuldade dessa juventude de entender que eles têm que ficar quietos, ouvindo, aprendendo, lendo, tirando dúvidas com os sacerdotes, para irem, por sua vez, formando um conjunto de conhecimentos e de sabedoria que fará com que, mais tarde, já maduros – e talvez até já na velhice – , venham a ser os experientes, venham a ser os professores. O problema é que hoje, com dezessete anos, um garoto acha que já é filósofo, só porque fez alguns cursos pela internet.
Essa é uma situação difícil. Quando eles se aproximam da capela ou do priorado da FSSPX, eles ouvem falar da obra de Monsenhor Lefebvre, que é uma obra sacerdotal, uma obra de Igreja, uma obra que impõe a doutrina católica à nossa inteligência, para que nós possamos dobrar a nossa inteligência à verdade revelada. É preciso então que eles tenham essa docilidade de querer ouvir e aprender. E o que eles vão ouvir e aprender é uma doutrina bimilenar, doutrina que se perpetuou ao longo dos séculos e goza da infalibilidade, por ser revelada, por ser trazida pela Igreja até os dias de hoje sempre igual, sempre a mesma, e que não depende, de maneira nenhuma, da opinião de papas, da opinião de homens, da opinião de pensadores. E é por isso que eles não podem colocar sua opinião como sendo o início de tudo. Primeiro nós aprendemos, ouvimos, para depois, se for o caso, preparados, podermos ensinar.
A Fraternidade Sacerdotal São Pio X recebeu de Deus essa graça de poder colaborar de um modo ativo na preservação da fé num mundo em que a fé vai desaparecendo pouco a pouco.
O senhor é orientador de algumas comunidades e capelas amigas da Fraternidade Sacerdotal São Pio X pelo Brasil, principalmente aqui no Nordeste. Como estão essas comunidades e quais são as perspectivas? O que podemos imaginar que possa reservar a Providência Divina para esses fiéis aqui do Nordeste do Brasil?
Nunca houve uma diminuição, nos vinte e tantos anos que eu venho ao Nordeste. Eu sempre vi as obras crescendo. Em Fortaleza, nós temos cerca de 130 fiéis na missa de domingo. Em Parnaíba 40, 50, e crescendo. Em Fortaleza, a Capela se desenvolveu, é bastante preparada, já de muitos anos os cursos são dados e a minha visita mensal sempre trouxe uma atualização, digamos assim, constante das necessidades da vida da Capela. Em Parnaíba, o grupo é menor, mas tem se desenvolvido muito. E, graças à doação do terreno, nós estamos iniciando um projeto mais avançado de construção de um pequeno priorado, uma igreja e uma casa paroquial.
Esse projeto de Parnaíba encontra-se atualmente em fase de captação de recursos, porque o projeto propriamente dito já está pronto. A empresa que deve levantar toda a parte estrutural já está contratada, nós estamos apenas aguardando a arrecadação dos fundos necessários para poder pagar uma parte, ou a totalidade, dessa primeira fase estrutural da Igreja de Santo Agostinho.
Há um aumento de interesse na parte da juventude, e mesmo das pessoas mais maduras, em relação à Tradição por diversas razões. Talvez por causa da Divina Providência, Deus quis suscitar esse retorno de muitos à Tradição. Mas, como eu dizia em resposta à outra pergunta, o risco de autonomia é muito grande. Então é necessário que haja uma aproximação desse jovem, mas também uma certa docilidade na obediência ao padre, na orientação que o padre dá dentro das nossas pequenas capelas, e não um conjunto de pessoas autônomas em torno de uma missa em que o padre seria uma espécie de distribuidor de sacramentos. Não é assim. O padre orienta, o padre santifica, o padre governa. São as prerrogativas da Igreja para levar os fiéis para vida eterna.
As perspectivas são boas por causa desse crescimento, por causa desse interesse. Todos os dias em nossas missas, em qualquer lugar do Brasil, há gente nova, interessada. Muitos vão perseverando, alguns não entendem e partem, mas o crescimento é constante. Então nós temos perspectivas boas. Mas, ao mesmo tempo, os riscos aumentam, porque é muita gente chegando ao mesmo tempo. Nós temos que fazê-los assimilar a verdadeira doutrina e o verdadeiro espírito com que nós lidamos com essa questão tanto da Tradição, quanto do progressismo.
Não somos sedevacantistas, por exemplo. Há muitos que acham que o Papa não é papa, mas nós achamos isso contrário à doutrina da Igreja e absurdo. Há outros que, sem serem sedevacantistas, entendem que têm de ser mais duros, mais afastados, e aí formam uma espécie de rigidez no combate, e que costumam, em geral, só se interessar em bater na cabeça da Fraternidade São Pio X. Outro interesse real a gente não vê nesses grupos.
Mas a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, que passou por suas crises, se mantém hoje como um bastião, como uma fortaleza da Tradição. E nós recomendamos muito a todos esses jovens que procurem os padres da FSSPX, ou os padres amigos, para terem a orientação segura, verdadeiramente espiritual, segundo o entendimento e as intenções da Santa Igreja.
Nós do site da Capela Santo Agostinho lhe agradecemos por esta entrevista e pedimos que o senhor deixe uma mensagem final para os nossos leitores de todo o Brasil e de todo o mundo.
Bom, só posso terminar, incentivando todos a colaborarem na construção da Igreja de Santo Agostinho, que é uma obra da Tradição, que é uma obra séria, e que, desenvolvendo-se nesse litoral do Piauí, trará uma importância muito grande para muitos outros. Já em Teresina, o grupo cresce também, com o Apostolado Nossa Senhora de Fátima, e em várias outras cidades do estado jovens se aproximam, muitas vocações e as perspectivas são boas.
Vale a pena colaborar com esta obra que é de Deus e que deve crescer.