A Espiritualidade dos movimentos católicos

Passei estes dias a reler coisas antigas, movido pela perplexidade diante da nossa condição humana. Não falo da conjuntura política, que já ultrapassou todos os limites da razão; não falo da economia nem da insegurança nacional.

Tenho pensado mais, nestes últimos dias, nos nossos movimentos católicos de defesa de uma civilização que já não existe mais, de defesa da Tradição.

Neste curto texto já amarelado pelo tempo, apesar do tempo e do amarelo do papel, brilha aquilo que até hoje procuramos viver em nossa Permanência. O mundo girou…girou, nações desapareceram, outras nasceram e o mundo foi se transformando num deserto. Sigam os seis princípios colocados pelo velho Gálata do Cosme Velho. Em nenhum deles encontraremos o mundo pós-moderno em que vivemos. Mas nós Permanecemos porque temos raízes plantadas junto ao curso das águas, como o cedro do Líbano.

Eis o primeiro princípio: “A dureza cristalina da família, a nitidez estável de seus contornos é condição essencial de uma sociedade verdadeiramente humana.” – E segue condenando o divórcio e o liberalismo em suas bases filosóficas.

2- “Um outro princípio, que tiramos de Santo Agostinho na “Cidade de Deus”, diz que uma cidade de homens só é verdadeiramente humana quando respira justiça. Fora dessa condição nós teremos um aglomerado de brutos e não uma cidade humana feita à semelhança de Deus. Do mesmo Aristóteles e de Santo Tomás tiramos o conceito derivado de amizade cívica (amicitia), virtude anexa da justiça, virtude essencial, oxigênio vital para o clima de uma cidade verdadeiramente humana.”

3- “Esse será o nosso terceiro princípio: a família é o lugar adequado para a germinação da justiça; é a fonte da amizade cívica.”

Já não há mais a família, porque o divórcio a devorou no almoço e no jantar ela serviu de sobremesa às opções sexuais de cada um. 
Já não há mais justiça porque na ideologia democrática liberal esta palavra é apenas uma arma eleitoral e de manipulação da verdade. 
Já não há mais amizade cívica porque o individualismo cegou a todos e produziu o ódio cívico mais bem comportado que o mundo já conheceu.

Depois desses três primeiros princípios, fui obrigado a parar e me sentar um pouco. Respiro. Nossa estrada passou na beira de abismos profundos. Foi quando Corção lembrou da necessidade da Revelação, da vida da fé, para que a cidade temporal encontre sua harmonia. Ah! pobres de nós! Onde estais ó Madre divina, ó Igreja Santa e Imaculada, sem ruga nem manchas? Por onde andais, Esposa de Cristo, que escondestes vossa Santa Visibilidade e aceitastes ser flagelada pelo Sinédrio moderno?

Porque desde o Concílio Vaticano II que se vê o abandono dos princípios católicos, da vida sobrenatural, em favor do racionalismo protestante e do vazio espiritual do mundo. E a Igreja, que deveria estar santificando o mundo, foi impedida, silenciada, amordaçada por seus próprios chefes. A família cristã, que Corção chama para dar vida ao mundo, perdeu sua força, sua santidade. E se o sal não salgar, para que serve, senão para ser lançado fora e ser calcado pelos homens? O Catolicismo já não é mais o Sal do mundo.

É aqui o lugar de um grande mistério. No quinto princípio, o autor vai aplicar aquilo que estabeleceu como critério da família católica aos grupos, movimentos e associações católicas. “E diria assim: a sorte das sociedades depende do grau de heroísmo (de autêntico heroísmo cristão) dos movimentos católicos.” Ouçamos atentos, e procuremos praticar.

O que pode, então, ser a vida de um grupo de fiéis que se reúne para estudar, para rezar, para santificar-se individualmente e em suas famílias? Heroísmo. Mas o que é heroísmo para o católico? Não há herói que não seja santo. Ser um heróico católico, dar a um movimento católico a nota de heroicidade nada mais é do que exigir de si mesmo e do grupo a santidade do Evangelho: “Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito”. Ora, perfeição significa prática das virtudes sobrenaturais. E este é o sexto princípio estabelecido por Gustavo Corção para a vida de um movimento católico. Santidade. Mais do que santidade, o martírio da virtude heróica que leva as almas para o céu.

Tendo, então, por base, o brilho divino da Fé, da Esperança e da Caridade, movidos pelo sopro do Divino Espírito Santo, com seus sete dons inefáveis, todos os católicos e todos os movimentos católicos que militam em defesa da Tradição, em defesa da Fé, em defesa do verdadeiro catolicismo, deverão respirar as virtudes da sociedade santa, da família santa, da alma santa.

Voltemos, então, àquelas virtudes que estavam presentes nos três primeiros princípios, a justiça, a amizade, e acrescentemos como fundamento e como condição sine qua non para todo movimento católico a Caridade, a rainha das Virtudes. O amor sobrenatural de Deus correrá nas veias de todos os organismos católicos e fará germinar entre eles o calor da amizade, de uma fraternidade vivida em torno do Pai, na Cruz do Filho e no amor do Espírito Santo. Sem isso, não há catolicismo. “Vejam como eles se amam!” E São João não cansava de repetir: “Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros”.

Estes são os nossos princípios enquanto movimento católico. Sempre foram, desde a fundação, em 1968, e antes mesmo dela, quando já muitas famílias se agrupavam para ouvir Gustavo Corção no Centro Dom Vital. E, creio poder dizer, temos a felicidade de viver esta amizade sobrenatural com muitos outros, sejam eles movimentos, casas religiosas ou leitores e amigos individuais, espalhados pelo Brasil e pelo mundo. A Fraternidade São Pio X, com seus bispos e mais de quinhentos padres, o Mosteiro da Santa Cruz, com os demais mosteiros beneditinos fiéis à Tradição, os dominicanos, os capuchinhos, os redentoristas, as carmelitas, dominicanas, as irmãs da Fraternidade e muitos outros. Todos os que gostam de estar conosco e com quem nós gostamos de estar, comungam da mesma fé, ensinam a mesma doutrina, e buscam nas mesmas raízes o alimento espiritual, dogmático, moral que anima estas instituições. E vão além disso, pois abrem o coração ao mesmo amor de caridade ordenado por Nosso Senhor.

Estas raízes comuns nós sempre as buscamos, em primeiro lugar, nos santos da Igreja. Dentre eles queremos destacar os santos papas e os grandes papas que cumpriram sua missão de Vigários de Cristo com coragem e heroísmo. O Magistério da Igreja é composto e dirigido por eles e este é o nosso tesouro da fé. Nossas orações e nossos olhares se voltam, assim, para todos os papas santos, chefiados por São Pio V e São Pio X, os dois últimos a receberem a honra dos altares; voltam-se também para os grandes papas não santos: Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, Bento XV, Pio XI e Pio XII. E participaram também deste Santo Magistério, apesar de ser em grau menor, dois bispos que foram amigos nossos, que estiveram conosco e nos sustentaram na fé no meio da tempestade e do frio da noite: Dom Marcel Lefebvre e Dom Antônio de Castro Mayer. Todos eles têm peso e importância para nós, hoje, quando nos encontramos sem meios de receber de Roma a orientação de que precisamos para guardar a fé.

Cada um deles defendeu a Igreja como pode, alguns cometeram erros que tiraram algum brilho de suas coroas, mas não deixaram de buscar sempre a salvação das almas e o bem da Igreja. Que fique nossa homenagem a todos, e que fique longe de nós o só pensar em seus erros e condená-los por isso.

Além destes papas e bispos que compuseram o Magistério da Igreja, aprendemos na escola de Sto Tomás de Aquino, o Doutor Comum, e de todos os santos Doutores e Padres da Igreja. Também muitos grandes teólogos e pensadores: Dom Vital, Dom A. Macedo Costa, Pe. Emmanuel-André, o Pe. Garrigou-Lagrange, Pe. Berto, Pe. Gardeil, Pe. Castellani, Pe. Meinvielle, Pe. Calmel e tantos outros. Junto com Gustavo Corção, nossa homenagem a Chesterton, a um Donoso Cortés, a Carlos de Laet, a Louis Jugnet, a Marcel de Corte, a Gustave Thibon, aos irmãos Charlier, a Alfredo Lage e Julio Fleichman. E muitos pensadores que não tinham a fé mas defenderam a Igreja e servem para nós como exemplo de desprendimento e de honestidade intelectual: Nelson Rodrigues e Charles Maurras entre outros. Ah! claro, todos eles cometeram seus erros também, eram humanos como nós. Mas qual de nós não os comete? Se alguém pois, nunca pecou, que tome a primeira pedra! E se é certo que há partes de suas obras que não podemos seguir, também é verdade que eles têm muito a nos ensinar e fortalecer.

Estes todos e muitos outros formam esta biblioteca universal e espiritual, onde gostamos de beber da doutrina santa que a Igreja nos propõe há dois mil anos. Pelo menos é esse o nosso gosto, nós aqui da Permanência, da Capela São Miguel e da Capela Nossa Senhora da Conceição assim como esses nossos amigos citados acima, e vocês todos, leitores e amigos que nos visitam na Internet.

É triste ver como muitos preferem outros caminhos e se fecham orgulhosos em seu próprio pensamento. Não tomam para si as referências que são nossa luz, preferindo seguir seu próprio brilho. Estes não gostam muito da nossa amizade porque, mesmo quando defendem a mesma fé, não vivem do mesmo espírito. Quem são seus mestres? Com quem aprenderam a defender a fé? Não se sabe. Por isso, em vez de reconhecer a grandeza de todos estes grandes defensores da fé e da civilização católica, ficam procurando meios para incriminá-los, para denegrir suas imagens. E inventam! Ah! como inventam e caluniam, como ficam a ver fantasmas e sombras onde, para nós, reina a luz da Igreja. Mas não há o que possa ser feito pois a marca deste orgulho é a cegueira espiritual que gera o sectarismo.

Estejamos, portanto, com os olhos voltados para a vida da Igreja, para a luz do Céu. Nesta grande reunião em torno da Fé, na amizade e na Caridade que já prenuncia o encontro que teremos nas portas do Paraíso, como tão singelamente pintou Fra Angélico em sua “Dança dos Eleitos”. De nada nos adianta, como católicos e como um grupo de fiéis católicos, nos destacarmos de todos e vivermos sós, como se só nós pudéssemos ensinar, como se só nós merecêssemos a confiança dos nossos leitores e fiéis. Não é este o espírito da Igreja, não é assim a grande festa do Reino dos Céus. O que queremos aqui, nos diversos sites da nossa “porteira” é abri-la de par em par para todas as almas de boa vontade, todos os que querem encontrar doutrina e amizade, Fé e Caridade; venham e bebam desta água viva que corre do seio da Igreja, sentem-se à mesa e tomem deste alimento espiritual que lhes propomos e sigam o seu caminho. Temos a certeza de seguirão com maiores luzes e movidos pelo verdadeiro amor de Deus, na travessia do deserto desta vida.