A tragédia do ateísmo

Edward Feser é um neotomista americano e católico com uma dezena de livros publicados, e ao menos um traduzido no Brasil. Feser escreve com aquele misto de clareza e humor característico da literatura em língua inglesa, capaz de tornar mesmo os temas mais árduos (como a filosofia) numa leitura agradável e inteligível. Seu foco é Aristóteles e São Tomás, a metafísica e a teoria do conhecimento, e a crítica contundente ao relativismo e ao ateísmo, tanto em livros quanto em artigos.

Num post recente sobre Freud, Feser fez um resumo brevíssimo, mas preciso, do que ele chama de “ateísmo moderno”. O objetivo deste post é uma tradução adaptada desse trecho do texto.

Fountain, Marcel Duchamp, 1917.
Um mictório de cabeça para baixo: a representação mais adequada do mundo sem sentido do ateísmo.

O ateísmo moderno não é só a negação da existência de Deus, escreve Feser. Mas exatamente por isso, projeta uma concepção do mundo como uma máquina vastíssima e complexa, mas sem causa nem finalidade. Ironicamente, o Surrealismo produziu as representações mais perfeitas dessa concepção de mundo.

Pode-se dizer que seu fundamento é negativo: a rejeição das noções de essência e finalidade (teleologia), centrais na filosofia aristotélico-tomista e no próprio senso comum.

Como explica Feser, “tanto para o aristotelismo quanto para o senso comum há uma precisa e objetiva diferença entre a pedra, o gato, a água, as árvores, a grama e qualquer outra criatura. Cada uma delas possui sua própria e distintiva natureza ou essência”, que é uma descoberta e não uma invenção do espírito humano. Entenda-se aqui “descoberta” no sentido em que dizemos que o Brasil foi descoberto. Isto é, o Brasil sempre existira por si mesmo, da mesma forma que a essência das coisas está nas coisas mesmas e é “descoberta” pela inteligência por abstração.

Nessa concepção mecanicista do ateísmo, todas as criaturas são reduzidas a simples arranjos aleatórios da mesma matéria básica, sem nada que de fato as distinga, além da mera aparência superficial. Não haveria então nenhuma diferença em si – nenhuma natureza ou essência – entre um gato e uma pedra. Isto é, em si mesmas, as coisas não são nada, a não ser um mero arranjo aleatório de partículas.

Além disso, como ressalta Feser, tanto para o aristotélico-tomista quanto para o senso comum, todas as coisas seguem um impulso que as dirige para um fim último, ditado por sua própria essência. Mas, novamente, essa concepção mecanicista do mundo projetada pelo ateísmo rejeita como ilusão esse “finalismo” e nega, portanto, que as coisas tenham em si mesmas qualquer sentido.

Em resumo, não haveria nem causa formal nem causa final. Não há Deus, nem Criação. Por mais estúpido que pareça, tudo seria obra do Acaso regido por algum misterioso princípio de economia que garantiria uma precária continuidade.

Dessa modo, é inevitável que a existência humana ganhe um contorno trágico e pessimista. Pois, de que serviria ter essa suposta consciência do nada absoluto a que tudo se reduz?

Mais surpreendente é que alguém possa acreditar que a conversão dos homens a tamanho niilismo possa torná-los melhores.