The Economist Code

Há 33 anos, a revista inglesa The Economist publica, na capa de sua edição especial de dezembro, o que seriam previsões para o ano seguinte ocultas em figuras e desenhos enigmáticos, que misturam mensagens criptografadas, personagens óbvios e datas supostamente relevantes. Tudo isso aparece com ares de agenda semi-oculta, que indica aos ‘iniciados’ as próximas pautas da revista e da grande imprensa.

Decifrar esse criptograma é um exercício divertido. E pode ser instrutivo também.

A deste ano é inspirada em Leonardo Da Vinci, um dos patronos da modernidade, um ícone de criatividade e extravagância. Sobre um mapa mundi impresso em um pergaminho renascentista, se destaca o “Homem Vitruviano”, transfigurado por símbolos modernos e cercado de imagens que aludem a figuras e eventos, às vezes de um modo claro, às vezes de um modo obscuro. Comecemos pelo óbvio.

As urnas com as bandeiras de África do Sul e Nigéria são uma referência às eleições gerais que acontecerão nesses dois países este ano.

O buldogue vestido com a bandeira do Reino Unido, com a legenda “Britain beyond Brexit” (escrita no modo invertido usado por Da Vinci e que exige um espelho para ser lido) aponta para a votação do acordo de saída da Grã-Bretanha do bloco europeu, marcada para o próximo dia 15.

Ghandi (150 anos) e o poeta americano Walt Whitman (200 anos) comemoram aniversários “redondos” em 2019, e certamente serão intensamente festejados em seus países, de que são símbolos, cada um a seu modo.

O carro elétrico também não é dificil de decifrar: vedete de um futuro ecológico que começa a sair do papel, ele já é quase uma realidade e tem ajudado a dar a Elon Musk ares de Da Vinci pós-moderno.

A coisa complica um pouco quando se trata de interpretar as efígies de Trump e Putin frente a frente (como os lados de uma mesma moeda), tendo entre eles um panda com cara de zangado. Uma alusão às relações cada vez mais ambíguas e tensas das três potências nucleares? E sobre os três, paira o monte Fuji, uma alusão ao Japão, de quem a China reivindica a posse das ilhas Senkaku, disputa que quase levou os dois países a um confronto em 2012.

A presença dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse logo abaixo de Putin não deixa muita margem de dúvida. E se ampliamos a figura, a coisa só piora: o que temos é a representação gráfica literal dos quatro, conforme descritos em Apocalipse, 6.

Por outro lado, a possibilidade de uma guerra dessas proporções já é discutida abertamente pelos “senhores da economia”.

A entrada de um elefante indiano com um indicador econômico apontado para cima pode ser interpretada como mais uma ameaça à China.

A ausência da União Europeia também incomoda. A única alusão a ela está na legenda da imagem de Putin: “Putin’s pipelines”, uma referência ao gasoduto que será inaugurado este ano para levar gás russo à Alemanha carente de energia, sobretudo depois de desativar suas usinas nucleares.

O alto da capa alude ao pioneirismo de Da Vinci: de um lado o protótipo de um objeto voador que aponta para a lua. Do outro lado, a espaço-nave New Horizons, com a legenda (também invertida) “New Horizons of Ultima Thule”, nome que foi dado ao mais longínquo objeto espacial já encontrado pelo homem, escolha que provocou horror entre os que costumam enxergar alusões ao nazismo em qualquer coisa.

Cômico, mas sem deixar de ser enigmático, é o Vitruviano pintado na capa. Aquele que já foi uma representação da excelência da raça humana, aparece como um completo alienado “multi-tarefa” com os olhos “cegos” por um óculos de realidade virtual e seus quatro braços ocupados por maconha, entretenimento (a bola de beisebol), o ubíquo celular e… a balança da justiça em desequilíbrio.

Eis o enigma: um último traço de racionalidade ainda capaz de perceber o próprio desarranjo ou uma referência à recente maioria conquistada pelos conservadores na Suprema Corte americana? Não seria nada estranho que os liberais da The Economist vissem nisso um signo de decadência e alienação.

Finalmente, em volta do Vitruviano, “os suspeitos de sempre”, os truques dos mágicos para distrair a plateia do que realmente importa: Angelina Jolie, a tatuagem # MeToo no seu peito e o autorretrato da pintora Artemisia Gentileschi são referências ao feminismo. O pangolim à ecologia.

Acima dele, uma cegonha traz um bebê que já vem marcado por um código de barras, uma alusão tragicômica ao transumanismo.

Restam duas imagens, quase periféricas e muito próximas, em aparente desarmonia com as outras. Mas talvez sejam as mais significativas: o estudo matemático da face humana feito por Da Vinci e que resultou talvez nas mais belas imagens do homem já pintadas por outro homem tem como sua “Ultima Thule” a “Facial Recognition” (como está escrito na legenda), uma nova tecnologia que ampliou o controle do estado sobre as pessoas ao nível da paranóia. O quanto a degeneração da arte em tecnologia terá conduzido o Homem Vitruviano à degradação é a pergunta que se coloca no limiar desses “New Horizons”.

O que nos remete à última (e talvez a principal) imagem: a de um Pinóquio narigudo (porque mente) e sorridente. Quem ainda lembre da fábula de Pinóquio talvez concorde que se trata de uma metáfora da relação da criatura com seu criador. Não é por acaso que este ano deve estrear uma adaptação cinematográfica de Pinóquio… para adultos. Vale lembrar: quem salva Pinóquio? O Grilo Falante, que faz as vezes de consciência. Resta a pergunta: ainda há essa esperança, a consciência, para o “nosso” Vitruviano?